SOMBRAS ELÉTRICAS Nº 8 – Abril de 2012

LONG-SHOT - O FUTURO DA POLÍTICA AUDIOVISUAL BRASILEIRA.

A BABEL QUE DEU CERTO

Entrevista de José Celso Martinez Correa

 

 

JORNAL VALOR ECONÔMICO
A gestão Ana de Hollanda no MinC foi alvo de críticas duras desde sua nomeação, passando pelas polêmicas com o Creative Commons e a LDA. Por que sua indicação foi tão contestada nos meios culturais? E até que ponto as críticas que se sucederam são a suas políticas culturais e não apenas frutos da disputa de grupos diferentes no poder (Gil/Juca x Grassi)?

Você considera que haja algum mérito nessa gestão que mereça ser destacado?

JOSÉ CELSO MARTINEZ CORREA
Há duas falhas trágicas acontecendo no Ministério da Cultura.
A 1ª é a Presidenta Dilma Roussef cortando dois terços do orçamento do Ministério, conquistado brilhantemente na gestão de 8 anos do Governo Lula.

A 2ª é Anna de Hollanda ter aceitado o Corte.

Durante o Governo Lula, o Ministro da Justiça Thomaz Bastos recusou uma tentativa de corte alegando que não haveria então o que fazer em sua pasta se isto acontecesse. O Presidente Lula voltou imediatamente atrás.

JORNAL VALOR ECONÔMICO
Quais as principais críticas que podem ser feitas à gestão atual no que diz respeito a suas políticas?

JOSÉ CELSO MARTINEZ CORREA
Na história do Brasil os grandes momentos de nossa existência como nação vieram dos Presidentes que escolheram a Cultura como Estratégia Principal de Governo. O poeta Carlos Drummond de Andrade, como Chefe de Gabinete do “Ministro da Educação e da Cultura”, e o próprio Ministro Gustavo Capanema, com o apoio de Getúlio Vargas, proporciaram a Criação de uma Arte Pública, que serviu de base para que as grandes interpretações do Brasil, como as de Euclides da Cunha e Mário de Andrade, inspirassem a própria invenção concreta do país, como Nação.

Daí vieram a criação da Rádio Nacional, irradiando toda criatividade da cultura popular orgyástica carnavalesca irreverente brasileira, os corais de Villa Lobos, os grandes livros publicados pela Editora Nacional sobre o Brasil, a reconquista das terras indígenas, as leis sociais.

O próprio suicidio do Presidente Vargas e a potência literária trágica de sua Carta Testamento, afastaram um golpe que seria dado pelos militares 10 anos depois. Isso propiciou o fenômeno da Arquitetura Brasileira de Lúcio Costa, de Oscar Niemeyer, inteiramente apoiado pelo dançarino Juscelino Kubischek. Temos que pular a presidência idiota de Jânio, que sobressaiu-se pela proibição do biquini, do lança-perfume e de se estender roupas nas fachadas dos prédios residenciais.

A seguir veio o Governo Jango, tendo no comando da estratégia cultural do Estado o forte poder cultural do antropólogo Darcy Ribeiro, o que propiciou as condições para o surgimento do Cinema Novo, da Bossa Nova, do Teatro Oficina, e a ascenção do povo nas Escolas de Samba até o apogeu do Sambódromo.
Lionel Brizola, que infelizmente não chegou à presidência, criou o PDT com estatutos redigidos por Darcy Ribeiro: uma obra-prima de Plataforma Política Cultural, trazendo como fruto especial os CIEPS.

Lula teve a esperteza de não chamar as pessoas ligadas à política colonialista – intrumentalizadora da cultura pela ideologia da velha esquerda marxista – e trouxe ao Poder Cultural a Tropicália, religada à Antropofagia de Oswald de Andrade, única filosofia original brasileira, à direção do Ministério da Cultura.

Gilberto Gil e Juca Ferreira trouxeram uma amplidão de lente da cultura que incorporou as revoluções de nosso tempo: a da Internet, a da Ecologia, a valorização do índio nos Pontos de Cultura, a inclusão absoluta de uma cultura esteticamente sofistificada, popular, extremamente “bárbara tecnizada”, à altura do crescimento do Brasil como nação líder no Renascimento que anuncia a Economia Verde no mundo.

Quer dizer, o Brasil tem uma história de muitos Presidentes que se guiaram pela estratégia da Cultura, ligada à Educação, ocupados com o cuidado da Vida do Planeta, da ascenção não somente econômica do povo brasileiro, mas sobretudo de sua grande potência criadora cultural. O Samba, o Rap, a devoração do Rock, do Reggae, do Funk, a maneira de viver misturada, antropófaga, além do bem e do mal, não vem da pobreza cultural da classe média positivista, mas do povo fiel às celulas vivas da origem da vida.

Essa cultura, fora da Sociedade de Espetáculos dos Globais, estabeleceu regras de meritocracia para os patrocínios de empresas como a Petrobras, e o Cinema, as Artes Cênicas, a Dança, o Teatro, floresceram. O Brasil tinha, em 2011, engatilhada uma revolução cultural de nível planetário, acompanhando seu poder emergente na Geopolítica Internacional.

O Governo Dilma, na medida em que castrou o MINC, revelou sua falta de percepção para a Cultura, que é para a vida muito mais que a macroeconomia para a infraestrutura do Capitalismo, como afirmado por Marx.

Este fato revelou sua não percepção da Revolução Ecológica caminhando para a Economia Verde, da revolução digital, da importância dos Índios do Brasil, de sua Justa Posse de suas terras, de seu saber arcaico, seu conhecimento para a preservação da natureza, conhecimento das plantas medicinais. Dilma não entende a importância da Maconha, dos alucinógenos na percepção do admirável mundo novo e de sua importância inclusive na Economia Brasileira. Partiu para uma política burra de repressão às Drogas, entrando numa guerra mundialmente perdida.

Na Era do Conhecimento deixou para o Ministério de Ciência e Tecnologia um orçamento miserável que determinou o afastamento no Brasil de grandes cientistas brasileiros.

Quando “uma pessoa não sabe, nem se intera das coisas, sem enganos”, como canta em seu samba “Pérola Negra”, Luis Melodia, é um Perigo Público.

Votei em Dilma. Sua Vitória deveu-se em grande parte à recepção calorosa que os artistas cariocas lhe deram no Teatro Casa Grande no Rio, criando um verdadeiro espaço de expressão Política, tão diferente dos comícios com animação paga, caretas, programados por marketeiros. Por um raro momento abriu-se, e até prometeu que o dinheiro do Pré-Sal iria para a Cultura. E flui dela um discurso próprio de uma mulher sensibilizada mesmo. Uma Presidente Mulher, não uma mulher travestida de Virago Patriarcal, uma Dama de Ferro, isto é, um “Homem”.

Que fazer pela sua mentalidade ainda da era analógica, seu desenvolvimentismo que passa por cima de Belo Monte? É muito grave para o Brasil esta falha cultural. Tenho muita admiração pela Presidente que, sendo a 1ª mulher a presidir o Brasil, tem demonstrado competência técnica, honestidade e exercício de Poder Humano, mas cuja falha trágica na Cultura é FATAL e a metamorfoseia em tecnocrata, tão ao gosto da inculta classe média brasileira.

Minha geração entregou seu corpo, como Dilma, à luta contra a ditadura. Tanto os que foram pra Luta Armada quanto os que foram para a revolução do Desbunde. E estes eram solidários até 1968.

Estou novemente em Portugal onde estivemos com o “Grupo Oficina Samba” atuando ardorosamente na revolução portuguesa. Quando nos re-encontramos, nós os exilados culturais e os exilados políticos, nos estranhamos. Os que fizeram a Luta Armada envergonhavam-se nos ver sambando no Rossio, centro de Lisboa. Criticavam as obras primas de Glauber Rocha, Rogério Sganzerlla, porque queriam um cinema a la mediocridade estética de um Costa Gavras.

Tinham horror aos que viajavam nos alucinógenos ampliando sua percepção. Ficaram caretas, presos mentalmente à Cultura Ocidental Patriarcal Moralista Capitalista Cristã.

Essa lacuna foi por muitos superada, mas há os que ficaram nos tempos coloniais, da pré-Tropicália.

Eu gostaria muito de conversar longamente com a Presidenta Dilma, pois estou me referindo a fatos da História da Cultura que é em sí, Política no Brasil.

Tenho Amor por Dilma, que de qualquer maneira tem em seu DNA político, Getúlio, Brizola. Tenho desejo de vê-la conversando pra valer com os artistas, e não fazendo “Chás de Comadres” como foi seu encontro com as cineastas brasileiras.

Estou falando de uma coisa muito concreta. É possivel haver uma mudança este ano. Não bodifico Anna de Hollanda. É preciso ir direto aos fatos que determinaram um ano praticamente perdido para o MINC.

Estivemos na Bélgica encerrando com “As Bacantes” o Ano Brasil na Bélgica. Depois em Liscoa, no Teatro São Luiz, com esta Ópera de Carnaval Brasileira da TragiComediOrgya, e já somos considerados o maior evento cultural de 2012 em Portugal.

Nossa peça, em cartaz desde 1996, é recebida com um entusiasmo e uma grande emoção política relacionada com a Crise da União Europeia.

Há sede desta cultura libertária popular brasileira em plena Crise da tristeza e depressão da Europa tiranizada pela TROIKA.

JORNAL VALOR ECONÔMICO
Você considera que haja algum mérito nessa gestão que mereça ser destacado? O MinC fala muito em austeridade financeira e pagamento de dívidas para defender suas ações. Existe alguma outra iniciativa que mereça ser elogiado?

JOSÉ CELSO MARTINEZ CORREA
A música Anna de Holanda e o ator Antônio Grassi tiveram uma atitude exemplar com o encerramento do Ano do Brasil na Bélgica, ameaçado de acontecer sem a apresentação de “As Bacantes” como estava previsto. O diretor do Teatro de La Place, na Bélgica, onde seria apresentada esta “Macumba Antropófaga”, num dado momento mandou um auxiliar nos passar um deselegante email por celular dizendo que não iria mais receber “BACANTES” em seu Teatro.
Imediatamente Anna entrou em contato com o Embaixador do Brasil na Bélgica, Maia Amado, que deve ser desta família de nobreza cultural notável que nos deu Jorge Amado, Genolino Amado, Camila Amado, Gilberto Amado, todos Amantes Amados da Cultura Brasileira. Um grupo da Funarte juntou-se imediatamente ao Corpo de Produção do Oficina e juntos trabalharam para não gorar e não broxar assim o “Ano do Brasil na Bélgica”.

A Embaixada Brasileira, num esforço raro, responsabilizou-se pelo nosso alojamento e por todo material Cyber com que trabalhamos no espetáculo.

Liderando uma equipe de brasileiros ligados ao Ministério da Cultura, Antonio Grassi foi assitir em Liège “AS BACANTES” e pôde perceber o impacto extraordinário causado pela cultura brazyleira, como escrevia Glauber Rocha, com “y” e “z”, no público europeu.

Este foi um ato altamente positivo de Anna de Holanda, por quem sempre tive admiração enorme, sobretudo por sua delicadeza que soa cristalina em sua voz até no telefone, como a de João Gilberto. Este ato coincidiu com uma foto sua no Globo em que ela aparecia debaixo de uma cabeça de um Touro, animal Tótem de Dionisios.

Para nós foi sua coroação como Ministra da Cultura. O caso não é destituir ou não Anna de Holanda. Poderá vir para a Pasta gente até de grande visibilidade, mas Anti-Cultura. Coisa que Anna não é. Eu sempre propus a ela por emails que fôssemos juntos com muito artistas brasileiros tentar conversar carinhosa e abertamente com Dilma sobre esta sua “Falha Trágica”. Mas parece que o Tabu “Corte Fiscal” e a personagem “Dama Papal” imobilizam todos os movimentos dos que querem aproximar-se culturalmente deste governo.

Vou até enviar para esta matéria um díptico feito por um grande artista fotógrafo de Campinas em que recria em dois quadros de Munch, a situação em que se encontra Ana, entre “O Grito”, protegendo-se da enorme bodificação sobre ela, e a beleza de outra personagem, “A Madona”, uma mulher sem medo, forte e delicada como ela é.

Há um grande equívoco em fazer o mundo cair sobre a cabeça dela. Nós, artistas brasileiros, populares-eruditos, temos de ir a Dilma e despertar na Presidente os sentimentos culturais que a filha de Sérgio Buarque de Holanda, a irmã de Chico, de Miúcha e toda família Buarque de Hollanda têm: sensibilidade extrema cultural.

Por amor a Dilma, à sua pessoa e ao Brasil, a Presidente tem de ouvir a Voz dos Artistas.

Na Ditadura fomos calados pela Tortura, Censura, mas sempre pudemos construir com as estruturas de Poder uma Arte Pública avalancadora de um Brasil mais que sem Miséria, luxuriosamente rico na Cultura Pública, Social, Politica.

Estamos na Idade da Inteligência, coincidindo com a bancarrota da Ordem Neoliberal do mundo das Energias Devastadoras.
Estamos vivendo um fim desta Idade Mydia, em que os Estados ainda são submissos à sociedade Mercantil de Espetáculos. Estamos próximos a um Renascimento.

Um país como o Brasil não pode estar drogado pelos peidos das celebridades, pelos chiliques dos reality shows, pelo fundamentalismo evangélico.

Por não tocar na Cultura em sua eleição Dilma deixou que este lugar nobre fosse tomado pelo besteirol moralista de um findamentalismo político. Quer que o Brasil vire um Irã de Jesus!?

Há políticos que não engolem a Arte Popular Orgyastica e Anarquista brasileira e querem levar para o povo a cultura falida da idade Mydia: o Palco Italiano por exemplo. Há exemplos de Políticos que acham que o Povo deve ter acesso à mesma mediocridade da Cultura Enfeite que a mediocridade Burguesa e Pequeno Burguesa produz no Mercado Cartorial da Arte Careta. E vêem nisso uma forma de Justiça Social.

Há grande Valor Econômico na cultura das massas, que já há muito fabricam os “finos biscoitos” oswaldianos, produzindo dinamização do Crescimento Social, Estético e trans-humano de um Povo. Sentimentos culturais motores do desejo desta Mudança de Era.

Não vamos marcar passo com falsas polêmicas.

Vamos direto aos Tabús.

E fazer deste ano do Dragão um ano de Grande Prosperidade da Vida Cuidada Culturalmente, sem o chicote dos cortes e da escravidão à uma Burocracia que se mete na área da Cultura, que quer nos escravizar, miserabilizar. Não suporto mais esta Tirania da Burocracia que sofremos todo 1º Ano do Governo Dilma.

Nós Artistas, nós Povo Brasileiro, temos de trazer a Revolução que os árabes trouxeram de Volta, dando ênfase na área em que o Brasil é poderoso, rico, brilhantes: a CULTURA Antropófaga, Mestiça, progressiva, universal. A Babel que deu certo.

JOSÉ CELSO MARTINEZ CORREA é diretor de teatro e líder do Teatro Oficina Uzyna Uzona.