SOMBRAS ELÉTRICAS Nº 5/6 – Novembro-Dezembro de 2005

VER COM OLHOS LIVRES

CARTA ABERTA

Domingos de Oliveira

O autor da carta.

 

Carta aberta aos  colegas cineastas,

Visando adesões a uma  reivindicação importante

 

(Esta carta será enviada para toda a classe produtora de cinema e, com sua concordância, às autoridades e outras entidade patrocinadoras.)

 

Premissas:

1/ Trata-se de reivindicar a criação de uma nova linha de financiamento ou patrocínio, que de modo algum prejudique aquelas que já existem. A diversidade é o maior valor do nosso cinema, cada um faz o cinema que quer, isso é a democracia.

 

2/ Partimos, também, do princípio de que uma boa legislação deve prioritariamente propiciar o aparecimento de bons filmes. Num país pobre não é preciso produzir filmes e sim bons filmes. Que seria do cinema novo sem “Vidas secas”, “Assalto ao trem pagador”, “Deus e o Diabo na terra do sol”? Que seria da retomada sem “Central do Brasil” e “Cidade de Deus” ou, “Os dois filhos de Francisco”? Não é através da produção que alcançaremos o mercado externo, é através de bons filmes, originais, pessoais, autorais, necessários existencialmente ou socialmente. Enfim, filmes de arte. No Brasil, vale mais do que nunca, a definição de Brecht sobre o teatro (cinema): “É diversão e ensinamento”.

 

3/ Nossa proposta contém uma filosofia. Sempre foram apoiados para o patrocínio e o financiamento bons roteiros ou projetos. Uma vez ganho o benefício, fazia-se o filme. Nossa proposta inverte esse hábito, muitos produtores, eu inclusive, queremos fazer primeiro o filme com recursos próprios. E depois, se selecionados, ganhar os patrocínios. A carta em seguinte, explicará os motivos.

 

Carta aberta

 

Sabemos como é  a vida de um cineasta brasileiro. Resumindo: O cinema é  coisa cara, a bilheteria na quase totalidade dos casos, não cobre  os custos da produção / lançamento mesmo que o filme  seja um sucesso  absoluto. De modo que necessitamos de patrocínios como um neném necessita do leite materno.

Nenhum  grande produtor atualmente bota dinheiro do bolso em filmes. Há que  antes garantir os patrocínios.

O  país não é rico , são poucos os patrocínios. E nossa vida é correr atrás deles, somos pedintes  de luxo.

Isto não é bom. Posto que impede que o cineasta / produtor se organize, planeje,trabalhe continuamente, e, principalmente, desrespeita seu caminho de Artista. De fato, no tempo  que comumente se leva para conseguir produzir um filme, ele acaba se tornando  apenas um projeto. E a possível seiva autoral do cinema brasileiro é  diluída.

Um caso  pessoal, porem exemplar. ,Experimentei recentemente , por duas vezes  (Feminices e Carreiras) fugir deste  angustiante drama .Como é comum no Teatro, armei cooperativas de artistas e técnicos amigos, gente que  confia em mim e fiz filmes com o  MÍNIMO  de dinheiro Vivo , CASH (15 no primeiro e 35 MIL REAIS no segundo,  conforme foi amplamente divulgado). Foram filmes rodados em digital, em poucos dias, obedecendo a certas normas (dogmas) de barateamento.

Daí o pequeno vulto do CASH, tirado do bolso. A Teoria é que se  você associa tudo e todos, o filme custa zero. Através desse expediente que se chama iniciativa privada, cheguei à primeira  cópia digital desses filmes,concorri  a festivais , ganhei prêmios e alegrias. Chamei  estes filmes de BOAA (Baixo Orçamento e Alto Astral). Que pode haver melhor do que  reunir  amigos competentes trabalhando livremente  em função de um filme bom?  Alem de provar que é possível fazer cinema de qualidade bom e barato?

 

No entanto não farei mais  BOAAs. Embora o reconhecido bom  resultado. Não posso, estou impedido pela legislação atual, porque preciso de patrocínios como tudo mundo. E os editais de patrocínio, governamentais ou não, estão fechados  para esse tipo de iniciativa. E não posso pedir às pessoas que  façam novas cooperativas, trabalhem continuamente de graça, elas precisam comer.

Não sei se me faço claro: os filmes são tão baratos em cash  porque muita gente investiu energia , tempo e trabalho  neles de graça.  Se eles fossem pagos , ao preço da praça  os filmes teriam custado cerca de 700 mil reais. O  que ainda  é um  baixíssimo custo. E a bilheteria , mesmo sendo filmes bons,  não cobre estes custos. Assim sendo,a minha modesta porem honesta linha de produção para aqui, embora não lhe faltem  planos  criativos.

 

Pelo estado das coisas neste momento, não se pode fazer um filme com recursos próprios, assumindo  dívidas e compromissos e pretender depois um estorno deste dinheiro de qualquer das entidades citadas acima. Essa hipótese não pertence ao repertório dos editais. Os editais até hoje consideraram que um filme feito não necessita de ajuda.

 

Está decretada portanto a proibição da iniciativa privada, da ação autoral. Devemos ser pacientes, até conseguir ganhar do Governo ou de alguma grande empresa o direito sagrado de filmar, o patrocínio.

 

Os patrocínios atuais exigem, peremptoriamente,  que os financiados não tenham ainda começado a sua produção (!). Não consegui sequer entrar no último edital da Ancine para fazer o transfer para 35mm do “Carreiras” porque meu filme foi considerado “pronto” e “exibido” (“Carreiras” está ainda em digital e foi exibido somente em festivais), e portanto não necessita de  dinheiro para nada. Interpretações errôneas, posto que esquece a energia das pessoas, o tempo das pessoas, o trabalho das pessoas etc .

Esta negação de ordem burocrática, acaba fazendo funcionando como uma PUNIÇÃO, para aqueles que tomaram a iniciativa, em vez de esperar passivamente um  patrocínio que, em geral, não vem. Porém basta do meu caso particular. Há muitos cineastas, a maioria, jovens  e veteranos, interessados em acabar com  este absurdo  e fazer como eu, sem esperar por nada, a não ser sua inspiração. Resumindo: é preciso que a Ancine, o Minc, e as outras fontes de recursos, dêem um passo decisivo e criem sem demora o “edital do filme pronto em digital”.

 

O “EDITAL DO FILME PRONTO”, ou seja , o edital que regula os patrocínios retroativos de produção, finalização e lançamento , daqueles corajosos produtores que fizeram seus filmes, chegando por vezes a mostrá-los em festivais, sem nenhuma AJUDA EXTERNA, ARRISCANDO O PRÓPRIO PESCOÇO.

 

Quando houver uma legislação partidária desse tipo de filme, os BOAAs (e até os filmes de médio orçamento) poderão  existir continuamente e industrialmente.

 

É importante observar que  o patrocínio neste caso é dado com absoluta segurança de estar usando bem o dinheiro público, das renúncias fiscais. Posto que diante de um  produto pronto! Na certeza de apoiar apenas bons  filmes... pressupondo comissões julgadoras de alto nível.

 

O apoio  a iniciativa  privada, é , sem duvida um caminho seguro de  obter maior numero de filmes bons.

 

VOLTANDO AOS BOAA.

No Brasil quando se tem dinheiro há que fazer.

Quando não tem, também.

No Brasil não se pode parar por falta de recursos, é preciso inventá-los! Por aqui  é preciso colaborar uns com os outros. Cooperativa é Cidadania.

 

***

 

Se você concorda com essa idéia,  caro colega , da urgência de um “edital para os filmes prontos”, mande-nos um e-mail com sua adesão. Somos muitos, venceremos.

 

DOMINGOS OLIVEIRA.

3.11.2005

 

PS.1

Vejam com seus próprios olhos, como os editais atuais proíbem qualquer ação anterior ao patrocínio:

 

Edital do Minc

 

a) Obra cinematográfica inédita de longa metragem, do gênero ficção, de baixo orçamento é aquela cuja matriz original de captação é uma película, com emulsão fotossensível de 16 ou 35 mm, ou matriz de captação em Vídeo Beta Digital, DVCam ou formato tecnologicamente superior, finalizada em película de 35 mm (*)

 

b) Projeto inédito é aquele que até a data de assinatura do Contrato de Realização de Obra Certa e Cessão de Direitos, não esteja em fase de produção ou finalização;

 

Edital da Ancine

 

2.1 Concessão de apoio financeiro a projetos de finalização de obras cinematográficas brasileiras de longa-metragem, de produção independente, conforme definido no item 3.1 deste edital, com cópia final em película 35 milímetros, nos gêneros ficção, documental e animação, obras que  estejam integralmente filmadas e que se encontrem no estágio de finalização no dia da inscrição...

 

Não é permitida nenhuma obra que  já tenha sido exibida publicamente em qualquer espaço ou sala."··Ou seja, não há nenhum espaço para BOAA ou qualquer filme, que for feito por fora dessas normas. ·Isso não pode continuar assim. Existem outras possibilidades, talvez mais ricas, mais férteis".

 

DOMINGOS DE OLIVEIRA é... Peraí, você nunca viu Todas as mulheres do mundo (1967)? Nem Amores (1997), Separações (2003) ou Feminices (2005)? Putz, em que planeta você estava?

 

© 2005 – Domingos de Oliveira

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