SOMBRAS ELÉTRICAS Nº 7 – Junho de 2006

LONG-SHOT - CINEMA SE APRENDE NA ESCOLA? (II): O 11º Festival Brasileiro de Cinema Universitário, os filmes de escola e o ensino de Cinema.

ALMANACH FESTIVALIS 2006

Antonio Paiva Filho

"Cagalho, não é mais uma bagata! Agora é um lixeiro fedorento!"

Cena de Chorume, de Hélio Villela Nunes (Gato do Parque/ECA-USP)

 

Por conta de todos os problemas de organização da programação do 11º Festival Brasileiro de Cinema Universitário, fico devendo para a edição 2007 (se tivermos a colaboração dos organizadores...) uma cobertura mais completa.

Ainda assim, pudemos acompanhar alguma coisa de ambas. E desta vez, dado o grande número de escolas (53, sendo 12 declaradamente de Cinema)[1], não dá para separar os filmes por cada uma.

Aí é que o acaso (é, céticos, ele ainda se manifesta de vez em quando...) conspira a favor. Durante a Mostra Competitiva de Curtas, sempre havia alguém que classificava tematicamente as sessões – seja a sério, seja de sacanagem. Bingo. Está aí a melhor idéia de falar dos destaques do FBCU: separá-los por grupos.

 

Grupo 1 - Filmes e vídeos acometidos pela "Síndrome de 'Bagata'":

 

Só para entender: Bagata é um curta realizado por Lucas Margutti em 1999, e a historinha é um primor (SIC): em tese, é "uma homenagem aos grandes compositores da história do Cinema"; na prática, vemos um rapaz do tipo problemático, vivendo num apartamento do tipo "a faxineira não vai lá há uns dez anos', sujo e cheio de restos de pizzas anteriores, que possivelmente sobraram da festa de aniversário de Ramsés II. De repente, eis que aparece uma barata – e é aí que se descobre o mistério do título, quando o rapaz exclama: "Cagalho, uma bagata!" Isso mesmo, além de problemático e porquinho, o rapaz tem falhas de dicção, trocando o r pelo g quando fala... E além de tudo, idiota: vai passar o resto do filme correndo atrás da barata ao som de trechos de músicas de filmes – a única forma de justificar a sinopse oficial...

A estética da "síndrome de Bagata" é assim: uma idéia imbecil, desenvolvida de modo idiota. Só não digo que desperdiça tempo, equipamentos e película (ou fitas, no caso dos vídeos) porque proporciona prática aos estudantes. Mas supunha-se que, ao fazer um filme ou um vídeo, eles quisessem algo mais do que praticar: quisessem criar.

Ah, sim: Bagata é da Estácio. E, por mais que isso pareça implicância deste escriba, notem a coincidência: a maioria das produções acometidas com a "síndrome de Bagata" é de lá. Por isso é que, às vezes, ficamos pensando que a Estácio parece ter dois centros de produção diferentes e conflitantes. Um faz produções de qualidade. O outro faz cada filme ou vídeo ruim que eu vou te contar...

Ainda bem que, para escapar da fama de implicante, podemos nos defender lembrando que três produções acometidas pela "síndrome de Bagata" não são da Estácio: o pretensioso A respiração, de Raphael Fonseca (UERJ), o fraquíssimo Amor que fica, de Lara Dezan (UFF), e o pseudo-trash A vingança da bibliotecária, de Santiago Dellape (UnB). (E digo pseudo-trash porque, como reza o excelente documentário Trash in Rio, de Luiz Fernando Reis (Estácio), cinema trash não é apenas filmes (ou vídeos) mal-feitos; são filmes que, literalmente, transformam a falta de condições em instrumento de criação.) Também posso dizer que a Estácio também trouxe excelentes produções. Mas isto nós veremos adiante.

Fazenda Maldita, de Ângelo Arnizaut Vianna (Estácio), nem pseudo-trash pode ser considerado, a não ser por acidente: é apenas um filme de realização completamente ginasiana, no pior sentido da palavra. O mesmo podfemos dizer dos ridículos Vênus partida, de Luiz Franco, e Rosencléver Darlen, de Zoraia Gomes (Estácio) -- mais um olhar caricato-preconceituoso dos moradores de edifícios (uma parcela ligeiramente boçal da classe média) sobre seus zeladores e porteiros de origem nordestina.

Mensageiro de Arben (Estácio), de Fulvio Maia, nos dá a impressão, em seus primeiros planos, que o original, chamado Entre quatro paredes, peça de teatro de Jean-Paul Sartre, era (e continua sendo) muito melhor. Daí em diante, parecem sobras de montagem de O exorcista ou A profecia, ou mesmo de algum filme de José Mojica Marins que o próprio teve vergonha de usar... Em sua defesa, durante o debate, Fulvio Maia explicou que o curta foi realizado às pressas em lugar de um projeto de ficção-científica, que não deslanchou por acidentes graves de percurso (cenografia destruída). Sinceridade? Isso não é razão para este Mensageiro de Arben ser feito.

Intimidade, de Osvaldo Enne (Estácio), lembra muito vagamente a temática de Nada além de um jantar[2], mas o roteiro é canhestro, a direção de atores (ou o trabalho da atriz dirigida?) é constrangedor e a presença excessiva da trilha sonora musical dá nos nervos do espectador.

Finalmente (ufa!), Estação das flores e Crepúsculo de Odin, as estréias da atriz Françoise Forton como diretora de cinema.

Bem, ator passando para a direção de filmes sempre foi comum no cinema. Só que, quando isso acontece, é porque ele se preparou para isso antes, observando (leia-se xeretando) o trabalho dos técnicos, perguntando-lhes (leia-se enchendo o saco) sobre a técnica ou, mais recentemente, fazendo cursos. Ou mesmo cursando Cinema em alguma faculdade, como fez Françoise. O problema é que, mais do que persistência para estudar a técnica cinematográfica, precisam ter também vontade e talento para a coisa. Alguns não só aprendem direitinho, como desenvolvem carreiras brilhantes. (Anselmo Duarte e Hugo Carvana, por exemplo.) Outros tantos, todavia, não aprendem direito e dançam bonito. Pena ter de dizer que, por enquanto, Françoise Forton está neste segundo grupo.

 

Grupo 2 - Encontro(e/ou desencontro) entre as classes:

 

A única coisa chata deste grupo de filmes e vídeos é que apenas um deles representa o andar de baixo falando para o(s) andar(es) de cima desta Ilha de Vera Cruz -- e que, por isso mesmo, é o grande destaque: Rap, o canto da Ceilândia, de Adirley Queirós (UnB) – ele mesmo oriundo da mesma cidade-satélite dos depoentes, os DJs X, Jamaika, Marquim e Japão. Para quem veio de Marte ontem: cidades-satélites são, digamos, vilas ou bairros onde foram morar os trabalhadores que construíram o Plano-Piloto e, atualmente, os seus descendentes – uma das coisas que os DJs lembraram durante suas falas. Simples, direto e muito bom, Rap... é, pura e simplesmente, a periferia de uma grande cidade (no caso, as cidades-satélites) falando curto e, às vezes, grosso para a(s) elite(s) e classe(s) média(s) de uma grande cidade (no caso, a atualmente mal-falada Brasília...) Se eles ouviram o recado, eu não sei. Aliás, tenho minhas dúvidas se ouviram ou se irão querer ouvir. (Zoraia Gomes provou em Rosenclever Darlen que não ouviu, não quis ouvir e tem raiva de quem ouviu. Mas deixa isso para lá...)

Em Trocadim, dotô? (UFF), a partir de uma situação que beira o absurdo – um mendigo vai parar no apartamento de um casal burguês, que são obrigados a conviver com ele –, Daniel Paiva parece achar que não vão querer ouvir. A convivência forçada e absurda termina igualmente absurda mas conformada vou fingir que nem estou vendo. Outro casal até acha que o mendigo da nova casa é melhor que o da antiga...

Davi Kolb, em Hora extra (UFF), até tenta dialogar com o morador da favela – ainda que sejam os que transitam de alguma forma com a marginalidade, que sejam de ficção, e que a favela onde eles transitam seja um cenário pintado, claramente cenográfica. O resultado é um vídeo simpático, ainda que este diálogo acontece pela metade. Destaque para a direção de atores, que impede os personagens de resvalar para a caricatura ligeiramente preconceituosa que o asfalto tem deles.

Finalmente, Chorume, de Hélio Villela Nunes (Gato do Parque e ECA-USP) – título bem sugestivo, oriundo do contraste de significados da palavra entre os eruditos dicionários de Lïngua Portuguesa e o entendimento dos ecologistas e do andar de baixo – principalmente, dos que vivem perto de aterros sanitários. (Breve parêntesis - Rezam os melhores dicionários da Língua Portuguesa: CHORUME, s.m. Banha; gordura; pingo; (fig.) abundância; opulência; riqueza[3]. Mais recentemente, o termo designa o líquido tóxico resultante do acúmulo de lixo nos aterros sanitários e depósitos de lixo.) Descontados os momentos em que a sua presença detona a crise final no namoro de duas moças (uma delas, a ótima – e sempre subaproveitada pelo cinema, inclusive o universitário – Laís Marques[4]), o lixeiro (Jerri Rodrigues, muito bom) que entra de gaiato no navio, digo, numa rave à fantasia numa mansão é visto pelos jovens "filhinhos-de-papai" que se divertem tal qual Borjalo via o salário-mínimo: não é nada, não é nada... não é nada. Mais um ponto para o Gato do Parque e seu chapéu cheio de surpresas – uma delas, a capacidade de ir com suas unhas afiadas ao íntimo das coisas.

 

Fica a pergunta: por que este diálogo, o verdadeiro diálogo entre os andares de baixo e o de cima, não ocorre?

Duas razões podem ser levantadas.

A primeira: a idéia de diálogo entre as classes sociais é utópica: quem está no andar de cima, com o tempo, não quer nem saber, por achar disgusting, de contato com o andar de baixo; que dirá ajudá-lo em sua inclusão social. (Seguindo, aliás, os moderníssimos exemplos da nobreza francesa de 1789 e da nobreza russa de 1917. Nem preciso lembrar o que deu...)

A segunda é mais irônica (tipo FHC dizendo aos aposentados para que não sejam "vagabundos"...): este diálogo entre as classes não ocorre por uma causa aparentemente simples – a dificuldade de comunicação, expressão e entendimento. Explicando melhor: se o bicho-homem não consegue se comunicar com o outro, com quem está ao seu lado – e as classes sociais são formadas pelos bichos-homens –, como é que as classes vão conseguir dialogar direito?

 

Grupo 3 - A incomunicabilidade entre as pessoas:

 

Ironia à parte, a incomunicabilidade é senhora neste grupo. E vale tanto para a incomunicabilidade geral quanto para a incomunicabilidade amorosa. A primeira tanto pode ser existencial quanto psicológica.

(Parêntesis, de novo – claro que pode haver um hibrido dos dois, como A distância entre as margens, de Fábio Terre (UFF): o que promete ser um encontro entre homem e mulher se torna impossível, tanto pela distância física – as margens de um rio e, depois, a distância entre os bancos de um ônibus – quanto pela necessidade de se resguardar – do quê, não se sabe.)

Incomunicabilidade existencial pode ser Excuse me, let me sell you suicide, dear?, de Danilo Capelo (FAAP), onde a principal dificuldade de uma adolescente é se relacionar com um mundo mergulhado em informação a dar com o pau. Como também pode beber até cair em Samuel Beckett, tal qual no excelente Um salto no escuro, de Henrique Coura (novamente a FAAP): assim como Hamm e Clov [5], Musgo (Cássio Scapin) e Lilás (Maíra Leme) estão isolados num quarto. O questionamento é: ficar ali para sempre ou ganhar o admirável e estranho mundo novo lá fora? Ou também pode ser o ótimo Silêncio, de Maurício Pastor Cuencas (FAAP, de novo!), onde o inferno (ou o purgatório) de um homem é a própria família.

Silêncio também pode ser um bom exemplo de incomunicabilidade psicológica (et pour cause...). Como também pode ser o apenas correto Anya, de João Paulo Rezek (para variar, da FAAP). Afinal, transtorno obsessivo-compulsivo já é obstáculo suficiente para se relacionar com as pessoas em volta; imagine com a mulher que ele ama. (Ainda sobre este filme: Rezek poderia investir mais na composição dos personagens e no aprofundamento das situações. E também poderia tirar aquele letreiro informativo final – sobre os zilhões de pessoas que sofrem de transtorno obsessivo-compulsivo – ou então escolher entre fazer um curta-metragem de ficção ou um filme institucional, porque este letreiro é a chamada "redundância do pleonasmo".)

 

Mas a incomunicabilidade mais presente neste grupo é a amorosa – especificamente, entre homem e mulher. Com todas as suas limitações, Anya também é um bom exemplo disso. Assim como Alice, de  Rafael Gomes (é da FAAP também? Não, Pedro Bó...). Será a geografia da Paulicéia Desvairada um obstáculo para que Alice (Simone Spoladore) e seu ex-amor (Fernando Alves Pinto) se reencontrem? Ou ela é um mero pretexto que ambos criaram em seu insconsciente para não se encontrarem de novo?

Ou mesmo o finíssimamente engraçado O perdedor, de Vitor Leobons (UFF). Desta vez, os adversários do nosso herói apaixonado (Pablo Blois) para se aproximar da mulher que ama (Luísa Schurig) são a timidez, um garçom pentelho (Eduardo Damotta)... e a incerteza do desfecho.

Pretexto semelhante é o mote do originalíssimo João e Maria, de Rafael Urban (Centro Universitário Positivo/UnicenP – PR). Originalíssimo porque você fica na dúvida se a timidez e o desencontro entre ele e ela percorre o tempo ou vários lugares e pessoas.

Mas mesmo quando se encontram, homem e mulher podem se entender, se completar? A julgar pelos bons exercícios Desgostosa, de Maíra Sala e Joana Galetti (UFF), e Suíte anonimato, das, digamos, "gatas do parque" Júlia Zákia e Heloísa Ururahy (ECA-USP), parece que não.

Em Desgostosa, o jovem casal transa (aliás, é a primeira cena de sexo que vemos no cinema universitário), mas não faz amor. Explicando melhor: para fazer amor, homem e mulher precisam não apenas ter prazer, mas pensar no prazer do outro. O que não é o caso do homem: ele quer gozar, e que se dane a parceira. As falas V.O.[6] num estranho e incompreensível idioma – talvez, o idioma oficial dos que só dialogam consigo mesmos – estabelece sonoramente a principal premissa do filme: não há sequer monólogo entre eles, que dirá diálogo?

O mesmo acontece em Suíte anonimato, com um casal numa suíte de motel; a única coisa diferente é o berro lancinante e inconformista da parceira. Curto mas nada grosso: novamente, o Gato do Parque mete as unhas no íntimo das coisas – desta vez, na intimidade amorosa.

Fica aquela sensação opressiva de que falar com o Outro não adianta.

 

Grupo 5 - A poesia da experimentação e das sensações:

 

Melhor buscarmos outras sensações, outras experiências.

Que tal começarmos com as novas experiências do Cinema de Poesia, de André Scucato (Univ. Veiga de Almeida). O rapaz descobriu o óbvio ululante – qualquer imagem = poesia – e vai além. É verdade que, em Um outro verso do espaço virtual – onde a imagem predominante é a do código básico de programas de informática (1001001), primeira evocação poética de um mundo que cada vez mais vai se computadorizando, para o bem e para o mal – não chega ao nível de interesse de outros trabalhos apresentados no 9º e 10º Festivais, mas mantém a coerência de sua proposta. Outro bom exemplo é [opus(nôumeno)], de Filipe Moura (Estácio). Se houvesse sido apresentado em sua cópia em película, ao invés de uma cópia de trabalho em DVD – cortesia de uma série de trapalhadas do laboratório e de uma transportadora, que impediram o filme pronto de chegar a tempo para a Competitiva – teria conseguido algo além de uma Menção Honrosa e do Prêmio ABDeC, principalmente graças à sua narrativa desconstruída e o seu olhar intensamente original sobre o cotidiano e o desencanto amoroso de uma mulher – ou melhor, a questão da existência vista pelo lado do fetiche. Outra mulher, chamada Berenice (UFF) – fruto da mente gótico-romantica de Edgar Allan Poe, que já rendeu outro curta co-produzido com a mesma UFF [7] – rendeu ao neo-bressaniano Fernando Eiras uma de suas melhores e mais lancinantes performances de sua carreira. E O latido do cachorro altera o sentido das nuvens (UFF), da trupe Raul Fernando, Camila Márquez, Rebeca Ramos, Estevão Garcia e Pedro Urano, ao contrário do que diz, não presta homenagem somente ao "primeiro cinema" [8], mas a todo o cinema mudo – especialmente às vanguardas dos anos 20, de Buñuel (Le chien andalou) e Man Ray & Cia. Ltda., retrabalhando e, por si só, recriando, buscando uma nova linguagem.

 

Grupo 5 - A poesia do real:

 

Curiosamente, Quem vai chorar quando eu morrer, de Álvaro Furloni (UFF) também bebe no cinema silencioso – um tanto no Expressionismo alemão, um pouquinho na comédia muda – para contar a sua engraçada historinha. A gente ri um pouco-meio-muito deste filme – e o pessoal que selecionava o roteiro e o diretor para o Projeto Sal Grosso de 2007 também deve ter rido muito. Também bebe muito, e muito bem, no Cinema – desta vez, sobre o movimento Super-8 experimental dos anos 70, principalmente na Bahia – o ótimo documentário Bitola cabeça Super-8, de Gabriela Barreto e Vitória Araújo (FTC-BA).

Talvez tanta auto-referência se explique por uma das funções do próprio Cinema: captar e mostrar não apenas o supostamente real, mas a poesia nele contida. Um exemplo básico de poesia do real é Luzia passou por aqui, de Letícia Paiva e  Paulo Mendel (Estácio): uma narrativa aparentemente simples para nos apresentar a complexidade de olhares, pensamentos e sentimentos de uma mulher míope e enclausurada.

O exemplo mais radical é Saba, de Gregório Graziozi e Theresa Menezes (FAAP): um mínimo de interferência no cotidiano de um casal idoso, quase centenário, nenhuma narração e poucas falas. Pronto.

 

Mesmo um exercício original como Instante só, de Raquel Araújo (UFF) – onde os objetos dizem mais sobre a intimidade de um casal (não há atores) – e a experiência dita interativa como Neurose, de Bruno Louvie (UniverCidade) tem o seu olhar poético. Claro que, se Bruno Louvie criasse uma situação e um roteiro mais originais, Neurose seria o vídeo do ano.

Não que a originalidade extrema seja tão necessária assim, como prova uma Clarice Lispector digna, pelas mãos de Henrique Fontana, em Amor (Estácio); entretanto, o enfoque pode ser original, ainda que não chegue as alturas que o diretor espere, como aconteceu com Fontana. Ainda assim, o resultado foi satisfatório.

Marionetes (UFG) não é tão original assim, tanto que ele também levou uma Menção Honrosa[9]. Até que está de bom tamanho, mas o vídeo de Wesley Rodrigues também poderia ter levado algum prêmio a mais, porque, por trás de sua fábula singela e de seu esforço primoroso no trabalho de animação, além de uma certa nostalgia (onde é que vamos encontrar artistas de marionetes pela rua?) está um olhar poético (está bem, até sentimental) sobre a solidão.

Também podemos falar assim de Ímpar par, de Esmir Filho (FAAP): assim como o homem dos sapatos (Alvise Camozzi) acreditava piamente em seu ofício, o diretor acreditou no seu – em sua história e nos meios que tinha para contá-la. E o espectador não só acredita na fábula como se encanta com ela.

 

Por falar em fábulas, este panorama se encerra com mais duas: Iara do Paraitinga, de Mariana Gabriel (FAAP), e A estória da figueira, de Júlia Zákia (Gato do Parque e ECA-USP) – ambas de matriz folclórica (a primeira, indígena; a segunda, portuguesa). Iara não deixa de confirmar a afirmativa reichenbachiana: transformar a falta de condições em instrumento de criação [10]. É verdade que não chegou às alturas do que queria ou pensava, mas conseguiu manter um clima ligeiramente mágico e erótico. Já A estória da figueira, pelo clima criado e pelo trabalho de direção de atores (uma delas, Marília de Santis, impecável como a madrasta), fecha com chave de ouro a capacidade do Gato do Parque em chegar ao íntimo das coisas – no caso, às origens sádicas e aterrorizantes desta história.

Claro que outro medo nos atinge: o medo de uma crise de produção e criatividade no cinema universitário e no próprio Festival. Mas isso fica para o ano que vem.

 

[1] Ver Anexo I – NÚMEROS, do artigo anterior, Um pé e meio.

[2] Curta-metragem de Francine Utimura, produzido pela FAAP e apresentado na Competitiva de Curtas do 9º Festival Brasileiro de Cinema Universitário (2004)

[3] O verbete foi extraído de FERNANDES, Francisco; LUFT, Celso Pedro; e GUIMARÃES, F. Marques. Dicionário Brasileiro Globo. São Paulo, Globo, 2003.

[4] Atriz de Nossos parabéns ao Freitas (2003), de Felipe Sant'Angelo (9º Festival, 2004).

[5] Personagens de Fim de Jogo, de Samuel Beckett.

[6] Pra quem voltou de Marte ontem para trabalhar em Cinema - V.O.: voice over (fala fora de quadro).

[7] Berenice (2000 - 16mm -  cor - 11 min.) Direção e Roteiro: Eduardo Sánchez.

[8] Termo que designa o Cinema produzido dos irmãos Lumière e Georges Mèliés (+ ou – 1895) até Intolerância (1914), de D.W. Griffith, tido como o marco zero da linguagem cinematográfica moderna. Maiores detalhes, ver COSTA, Flávia Cesarino. O primeiro cinema.

[9] Ver Anexo II: OS PREMIADOS.

[10] Ver REICHENBACH, Carlos. Como transformar a falta de condições em instrumento de criação. Cinemais, Rio de Janeiro, n.18, jul-ago 1999.

 

ANTONIO PAIVA FILHO é editor de SOMBRAS ELÉTRICAS.

 

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