SOMBRAS ELÉTRICAS Nº 2 -Março de 2004

VER COM OLHOS LIVRES

NOVOS OLHOS EM LIMITE

Roberto Moura et alli

 

Cenas de LIMITE, clássico de Mário Peixoto (1930), um filme que hoje ainda impressiona. Os depoimentos abaixo que o digam.

 

Exibir LIMITE para uma nova turma do curso de História do Cinema Brasileiro é sempre um acontecimento. Inspirado por “poderoso sentimento cósmico” e realizado com surpreendente domínio técnico, em nada a absoluta maestria e maturidade com que o filme é construído permitem suspeitar que foi o primeiro, e único, de um cineasta com 19 anos, que inaugurava  concretamente uma linha contracultural no Cinema Brasileiro. Se Humberto Mauro, “o nosso Griffith” (sic), utilizou, às vezes a contragosto, a linguagem teatral e melodramática recriada pelo cinema de ação norte-americana, lhe dando peculiaridades nacionais, Peixoto fez um cinema que partia da poesia e da música como as vanguardas européias, aludidas de forma absolutamente original, despreocupado das leis do mercado, pedante mas íntegro e intenso, que buscava nada menos que o absoluto e o genial.

Filmado em 30, o filme continua uma novidade para esses novos olhos, e todos, é claro, devemos essa gentileza ao cineasta e estudioso Saulo Pereira, a quem um grupo de alunos foram logo sabiamente procurar. Presente de grego, poderiam dizer frente ao tédio que provoca seu texto preciso e nuançado. Nem a maravilhosa fotografia do Edgar Brasil ou a belíssima utilização da música de Satie & outros - salvam o espectador acostumado a saciar sua voracidade audiovisual com a exposição espetacular de acontecimentos exponenciais desossados de tempos mortos oferecida pelos filmes de Roliúde e pelas novelas da televisão ou do cinema brasileiro.

Seu tema-título: os limites do humano, a experiência trágica, decepcionante, do homem. Embora tenha uma trama - um tempo presente que transcorre num barco à deriva com três náufragos que se alterna com “flash-backs” suscitados por cada um dos personagens -, essa é muito simples e facilmente apreensível, não se preocupando o filme em descrever de forma verossímil acontecimentos e sensações. Propõe-se, sim, a transcende-los, a abstrai-los, através de um texto cinematográfico que se reinventa à cada nova metamorfose em que o tema reaparece transfigurado, distendido, até, enfim, ser catártica e retoricamente transcendido.

Desprovido de psicologismo, os personagens mais pensam a situação que a interpretam como “gradações do humano numa tragédia universal”. Numa mis-en-scène “quase anômala no Cinema Brasileiro”, Peixoto dirige refinadamente atores sem formação, buscando a contenção na economia do gesto e da expressão facial, ressaltando o significado emblemático das cenas. Só o ator Mario Peixoto destoa. Em LIMITE, diz Saulo Pereira, “não estão os três naquele barco: está o humano”.

No filme uma identidade eurobrasileira, o travo amargo do passado esplendor aristocrático refletido na paisagem trágica, humana e natural, contida em sua dor. A natureza através do humano, num desejo de volta à unidade fundamental, a nostalgia pela sopa pré-biótica na vertigem das imagens cuidadosamente construídas. Em Peixoto, o filho do patriarcalismo fluminense refinado pelas vanguardas européias, o pessimismo decadentista, a crise do Ocidente e do paradigma do progresso.

Difícil!? Fica claro que se precisa ver mais de uma vez, vencer o cansaço e a obrigação de achar genial, para perceber o filme em sua riqueza e encanto, apesar de que eu duvido que alguém tenha passado incólume por essas primeiras sessões de LIMITE. A turma do segundo semestre de 1997 também aturou a 1 hora e quarenta regulamentares. O trabalho que pedi tinha uma primeira parte sobre a linguagem do filme em contraponto com o sistema clássico, e uma segunda livre, testemunhal e interpretativa. Foi dela que eu pincei essas partes sem copidescagem, a partir de um critério também livre e pessoal: o que eu achei mais expressivo para passar a outrem vindo destes tantos novos olhos. Impressionante!

 

Rompendo amarras - inclusive criativas: Olga Breno em Limite.

 

“É um filme de sensações, trabalha com o humano e suas sensações. É isso o que mais importa em LIMITE. Também é um filme de imagens. Sensação e imagem. Perfeitamente ritmadas pelas músicas, também parte importante, vital para o filme. Há uma sintonia entre as personagens, suas reações, a música e a natureza. Alias, a natureza é um personagem à parte em LIMITE”.   Erika Bastos Arantes

“O filme remete à uma prisão na qual todos nós cumprimos pena pelo crime da existência e estaremos eternamente nela confinados. O presente. Tão fugaz quanto concreto, tão real quanto impreciso. É neste presente que todos nos encontramos. Um presente subjetivamente único, mas amplamente comum pois naturalmente idêntico e resultante da fusão brutal de duas referências inconsistentes: o passado e o futuro. Esse é o limite: aquilo que se encontra no meio e não nos extremos. Esse meio em que nos encontramos e que nos é inescapável. Este presente que traz em si latente a herança trágica de nosso destino, o desconhecido. Este presente que convive em aflição com nossos desejos mais íntimos e inconfessáveis, que regula nossos sentidos, que nos cerca e nos ronda a todo o momento, sem que possamos evita-lo, que nos tortura a toda a hora com sua sutil e infalível impiedade e nos atira novamente em vários instantes da vida contra a matriz inicial da criação, contra a imensidão e o vazio de nós mesmos. (...)

O limite do ser humano é o seu próprio presente. É a única coisa que nos assemelha, que é tocante a todos indistintamente e que nos traz cativos até o fim dos tempos. Talvez aquele que ousa seja capaz de romper este limite. Mas corre este o risco de se perder em outras dimensões limitadas por desígnios distintos. A transcendência definitiva é um enigma, até porque, aqueles que o fizeram (se fizeram) jamais retornaram para nos trazer a confirmação. Quem sabe agora pertencem a um domínio superior, isento de necessidades e limitações, inacessível à nos, mortais e limitados. Talvez a segunda mulher tenha ido para lá. Ou talvez tenha tentado nos ensinar que transcendência é um processo diário, uma busca que se impõe de dentro pra fora, é necessária e nos liberta”.    Reinaldo Ramos da Silva (RJ, 19 anos)

“O que LIMITE faz é nada mais do que nos manter em vigília, lembrando que somos todos humanos”. Marco Dreer Buarque (Niterói, 19 anos)

 

"O que LIMITE faz é nada mais do que  nos manter em vigília, lembrando que somos todos humanos." (Marco Dreer Buarque)

Cena de LIMITE.

 

“A duração difícil de ser tragada está nos padrões do longa metragem e me faz pensar na temporalidade artificial dos filmes que estamos acostumados a ver. Na dificuldade em ver passar aquela uma hora e quarenta de filme está embutida a pergunta que eu, inicialmente, tenho muita vontade de responder um dia: devemos fazer um filme que agrade o público, retire-o gentilmente da realidade, ou um filme que incomode, faça pensar....? A segunda opção é, hoje em dia, dentro do mercado universitário, bastante glamourosa, segue minha linha, mas como fazê-lo? Num mundo onde todas acham que têm algo importante a dizer, nós somos apenas um grupo querendo ter voz. LIMITE é o exercício do jovem Mário nos provando que tem algo interessante na cabeça para dizer. A cabeça comanda, ideologia é o que comanda e não é a toa que isso me lembra tanto o pensamento dos que, mais tarde criariam o Cinema Novo”. Sabine Mendes Lima Moura (RJ, 18 anos)

“Justamente por sermos tão limitados, é difícil falar de sensações, sentimentos tão agudos quanto os tratados (?) no filme. Mário Peixoto me deixou com a sensação de não ter visto absolutamente nada, além de um grande cansaço e uma forte dúvida: não seria exagerado o crédito dado ao filme?”  Julia Pontes (RJ, 20 anos)

“É um filme que ao deixar de dizer, diz tudo. Que inspira ódio e paixão e alterna sujeição à reação, embora a primeira predomine. As insinuações de amor e adultério, as cenas da história de Olga, o choro contido dela, São imagens tão marcantes, quanto a roda do trem, as alianças de Taciana, as janelas que fazem parte do chão. Impossível destacar apenas uma imagem, LIMITE é formado pelo todo. O conjunto é que exprime toda a significação do desespero, da desolação.

O que fica após se ver o filme é uma clara sensação de impotência, mesmo que a cena final signifique transcendência. Precisamos sofrer tanto para, somente depois, podermos encontrar a liberdade? Seremos como Raul ou como Mário? Sobre isso ele silencia. De acordo com as associações que fizemos e nossa vivência, é que encontraremos a resposta”. Lia Ribeiro (RJ, 19 anos)

“Trata-se de um filme, do ponto de vista histórico e estético, muito interessante. O estilo de Mário Peixoto pareceu-me bastante ousado e criativo, se considerarmos a época em que o filme foi produzido. Em alguns momentos, o filme assumiu, ao meu ver, algum ar europeu. Não pelas paisagens. Talvez pela influencia adquirida por Peixoto nos anos em que viveu na Europa. Eu precisaria de mais tempo para vê-lo, revê-lo. Poder pensar no que pode ser extraído e usado em nossas futuras produções. Minha relação com LIMITE, pode ser comparada a uma cobra que engole um boi: preciso de tempo. Tempo para digeri-lo”.  Leandro Joras de Almeida (RJ, 20 anos)

 

"Minha relação com LIMITE pode ser comparada a uma cobra que engole um boi: preciso de tempo. Tempo para digeri-lo”. (Leandro Joras)

Mário Peixoto "desencaixotando" Taciana Rei: brincadeira nos bastidores de LIMITE (foto c.1930).

 

“Esta primeira sessão de LIMITE foi inquietante, mesmo que preparada por discursos introdutórios. Foi uma surpresa”. Fábio Rodrigues Pereira (RJ, 31 anos)

 

“Há um rigor absoluto na escolha de cada enquadramento e movimento, nada é apenas figurativo, e uma imagem evoca a outra numa espiral cíclica: numa das últimas seqüências - a da tempestade - vemos o centro da espiral, o balé caótico das espumas, vários planos e sucessões de planos repetidos, mas com uma sintaxe perfeita que os diferencia: numa imensa bacia de suposta infinitude somos levados a pulsar violentamente, para logo depois sermos entregues a calmaria e ao mesmo lugar. Para grande espanto dos que acreditam em experiência, pois tinha apenas dezenove anos e estreava no cinema, Mario Peixoto dirigiu com maturidade extasiante. Será a chave para o verdadeiro cinema uma aptidão inata?

Elucubrações não são possíveis sem que caiamos no terreno filosófico. O que há é a película impressa, minúcias que tornam LIMITE tão profundo quanto a capacidade humana de ver e fazer sua inscrição na imagem dada; no filme, o árduo exercício de existir. As espumas não vêm de uma direção específica, e escoam para todos os lados, mas estão e fazem parte dali. Forte sentimento cósmico, se assim o podemos chamar. Há a volta à natureza fundamental, na medida em que nela nos encontramos e encontramos equivalência aos nossos sentidos, provenientes dela mesma. A natureza fundadora, todos os nossos conceitos, sejam eles exatificados ou não. O instinto de liberdade dos pássaros no topo da montanha, a construção do ninho e a revoada, com o esquecimento aparente do que o ninho já fora; as flutuações do barco parado, que é o chão ondulante sob nossos pés; o mergulho para o encontro necessário com algo que está fora dali e também nos compõe, pois dissolve nosso sal indeclinável, a água...” Fabiana da Câmara

 

“A sensação que o filme me passou foi de tristeza; por ser a primeira vez que o vejo, ele causou-me cansaço, talvez por ser um pouco longo, uma sensação parecida como a primeira vez que vi os filmes experimentais da Maya Deren quando só fui me soltar e conseqüentemente entender mais o filme a partir da terceira vez que o assisti, espero e tenho certeza que vai acontecer o mesmo com LIMITE.

Outro ponto que marcou bastante o filme foi a música, parece o filme uma orquestra em perfeita harmonia com as imagens, fica até difícil imaginar o filme sem essa linda trilha sonora que mapeia o filme de ponta a ponta, ou seja, belíssimo.”  Daryan Nino Dorneles (RJ, 26 anos)

 

"Para grande espanto dos que acreditam em experiência, pois tinha apenas dezenove anos e estreava no cinema, Mario Peixoto dirigiu com maturidade extasiante. Será a chave para o verdadeiro cinema uma aptidão inata?" (Fabiana da Câmara) Olga Breno em LIMITE.

 

“Seus personagens ora olham o horizonte, ora o chão, ora o vazio, mas nunca conseguem se furtar de olhar. Olhar é o que lhes resta. Olhar para dentro. Refletir. Não há mais água potável: o balde está seco. Suas línguas de pedra não se atrevem a proferir palavra dentro da boca desértica. Diante da imensidão do oceano, o paradoxo: corpos à beira da desidratação. Não resta alternativa. Agir, movimentar-se, pode significar perder mais uma preciosa gota d’água a evaporar-se por algum poro maroto, ávido em pôr fim ao sofrimento, à angústia diante do vasto oceano. Por ousarem romper o limite visual da terra firme, encontram-se, agora, unidos pelo mesmo trágico destino que se avizinha. LIMITE não tem pressa. Apatia e desespero! Não resta alternativa: ficar imóvel e aguardar, aguardar e aguardar. Depois: não ter pressa. Restam apenas memórias. (...)

Aos três desesperançados resta a passividade. O poder não está em suas mãos. O público se sente impotente, desconfortável, acostumado que está a sentir-se capaz de tudo, de fazer o impossível, tão característico das fitas colonizadoras. Quase duas décadas, desde o colapso de 1911, de bombardeio de fitas yankees teve suas trágicas conseqüências. O público não consegue romper o limite que LIMITE lhe oferta: apesar da falta d’água que tem diante dos olhos, não consegue aproveitar a oportunidade para embebedar-se com pura arte. O grande público não consegue cuspir o chiclete que lhe enrola cada vez mais a língua à hora de falar. Acostumou-se à alucinantes sucessões de imagens, mocinhos elétricos, e ao término da fita o tradicional e previsível happy-end. LIMITE rompe mais este limite e presenteia o espectador com o triste-end. Triste na história, feliz na História.

Incapaz de contemplar as magníficas composições fotográficas de Edgar Brasil, que com seu z, soube tão bem honrar o s de nosso Brasil, as platéias acabaram por se privar de deleite de uma importante obra de arte. Estavam progressivamente se curvando a outro s, não por saudação, mas sim por submissão; s de States...”  Cláudio A. R. Brennand

 

Não trata-se então de um filme qualquer, mais um que se vê. É o contato com a inspiração e a possibilidade do artista por meio da obra, e logo com a realização humana elevada ao mais alto grau. Verdadeiro estímulo a se produzir arte. E a refletir. Pode-se pensar até no ultrapassar do limite” (Karen Barros) Cena de LIMITE.

 

“A principal impressão que LIMITE passa, em minha opinião, é a de um pesadelo filmado. Há dois aspectos nessa afirmação. Em primeiro lugar, o cinema não apenas se assemelha ao sonho, mas é sinônimo de onirismo. Todos os filmes são assim, mesmo quando fogem ou não tratam de temas ligados ao sonho que é a própria essência do cinema. E os que efetivamente não o são, não podem ser qualificados como cinema.

Consequentemente, quando vemos um filme que procura e consegue expressar todos os procedimentos pelos quais o sonho passa, explicitando formas que estão no inconsciente, as sensações só podem ser arrebatadoras. Mário Peixoto quis exteriorizar o seu inconsciente. E o fez através da única arte capaz disso, demonstrando, ao mesmo tempo, uma compreensão profunda do significado do cinema.” Fabrizio Lyra Moreira (RJ, 26 anos)

 

“Se eu classificasse LIMITE como um mau filme, uma hoste de cineastas irados me apedrejaria e talvez até me comesse vivo, nessas inflamadas plagas iacsianas (IACS-UFF).

Mas não. Não direi que LIMITE é um filme ruim. A fotografia, de Edgar Brasil, é muito bem trabalhada, interessante, criativa, sofisticada - virtudes que se avultam ante o primarismo de seu período. Mário Peixoto também mereceria elogios por tentar fazer um filme transcendente, uma narrativa insubmissa aos padrões clássicos americanos. E por escolher uma bela música - sentida, angustiante.

Só. Para mim, é só isso - e o endeusamento do filme é um mistério cuja resposta sequer pode vislumbrar a minha vã filosofia”  Diogo de Hollanda Cavalcante

 

“Embora, durante a projeção, não tenha resistido a alguns vôos interpretativos - desvendar cada possível metáfora e/ou reconstruir partes da trajetória de cada personagem dentro de uma evolução narrativa linear -, o filme não me parece prestar-se a tais interpretações, e certamente não era esse o objetivo de Peixoto, interessado, a meu ver, em sugerir, numa linguagem especificamente cinematográfica os limites que a própria soma de medos, desejos e necessidade do outro, da realização através do mundo exterior (uma eterna busca pela plenitude do prazer, sempre fugidia) lança sobre a condição humana, e a incomunicabilidade intrínseca a essa condição.

Dias antes de assistir LIMITE alguém comentou que o filme poderia ter sido feito na Dinamarca, na França ou na Polônia, e que, embora tal característica não fosse necessariamente um defeito, nada havia no filme que permitisse entrever sua origem brasileira. Não foi a impressão que tive: as cercas das casas feitas de galhos de madeira disformes, a morenice com traços indígenas diluídos de uma das atrizes, a sinuosidade do litoral que margeia a cidadezinha com casas de inspiração colonial, a cadência peculiar dos personagens ao se locomoverem, os urubus... familiar demais, enraizado demais, um filme moderno para a época, a belíssima fotografia de Edgar Brasil contribuindo para o alto nível do diálogo com a vanguarda internacional, mas impregnado de plácida atmosfera de Brasil antigo (‘Tu não te lembras da casinha pequenina, onde o nosso amor nasceu? Tinha um coqueiro do lado que, coitado, de saudade, já morreu’)”.  Maurício de Medeiros Caleiro

 

“Conforme se aprofunda no tempo do filme, o mundo real, concebido em nossa cabeça devido à linearidade herdada do ocidente, some completamente... LIMITE é um novo mundo do qual não podemos fugir, é a angústia de nossa condição que nunca percebemos por andar ocupados na cotidianidade. O filme representa uma nova reestruturação do que pensamos e sentimos. Para mi, um universo demasiado complexo para ser penetrado em sua totalidade, e onde fica a única esperança de navegar em alguma seqüência o imagens que nos desespere”. Juan Carlos González (Bogotá, Colômbia, 21 anos)

 

“Nós. O homem pensando em sua própria condição de homem. É sentimento, filosofia e cinema. Vivemos a maior parte do tempo simplesmente vivendo, sem parar para pensar no limite do nosso poder e da nossa existência. Às vezes experimenta-se de fato, outras vezes apenas encontra-se ele vagando em nossa mente. Mas ele existe, e está sempre cerceando nossa ação, encobrindo de nuvens a Verdade sobre a Vida. Mário Peixoto conseguiu traduzi-lo para a tela, transformando em filme a incerteza, o dilema e a transcendência que cabem mesmo num suspiro.

Não trata-se então de um filme qualquer, mais um que se vê. É o contato com a inspiração e a possibilidade do artista por meio da obra, e logo com a realização humana elevada ao mais alto grau. Verdadeiro estímulo a se produzir arte. E a refletir. Pode-se pensar até no ultrapassar do limite”  Karen Barros (RJ, 18 anos)

 

“Uma das cenas cinematográficas que guardo até hoje na memória é o epílogo do filme GRAND CANYON do cineasta Lawrence Kasdan. Ao final do filme, os personagens, após um duelo com todas as adversidades de uma cidade grande e com seus dramas pessoais, encontram-se diante do gigantesco Grand Canyon. Sentimos um otimismo crescente nessa cena. É como se ali, diante de tanta grandiosidade, estivesse o sentido da vida. Eles se surpreendem. Um sorriso. Um abraço. É um alívio tão grande. Aquela linha do horizonte infinita. Aqueles infinitos sonhos. Uma esperança infinita. Ao ver LIMITE lembrei depois de algumas horas dessa cena. Em LIMITE temos a linha do horizonte, mas a mesma não representa uma passagem, mas sim uma cerca que cerceia as vontades do homem. (...)

Após uma overdose de imagens que parecem querer romper a tela inutilmente, descobri algo maravilhoso de um requinte admirável. Apesar de tanto pessimismo, LIMITE deixa otimista qualquer cinéfilo, pois vemos que o cinema, realmente, não é apenas um simples entretenimento, mas sim uma arte completa, e complexa (...). Voltemos a linha horizonte. Lá está LIMITE , os olhos de Olga, nosso olhos. Um imenso vazio. Um grande nada. Uma saída fechada. LIMITE é GRAND CANYON às avessas.”  Carlos Eduardo Mello de Freitas (SP, 19 anos)

 

“Angústia e alienação. Hoje, não seria insensato dizer que esta dicotomia se estabelece como paradigma da crise da modernidade. Angústia e alienação. Por mais desavisado que fosse o espectador de LIMITE , ele certamente concordaria que de alienado o filme de Mario Peixoto não tem nada, por conseqüência, angústia é a palavra chave que encontro para definir o filme, mesmo entendendo que este não é um filme que caiba dentro de qualquer definição, LIMITE esta assustadoramente próximo da realidade que vivemos hoje. O homem se reconhece em sua insignificância perante o infinito, onde reina o maior dos vazios, a ausência de Deus. (...)

LIMITE é enfim desespero. A espera é desesperada. A impotência é desesperadora. O homem paga, através da impossibilidade da comunicação, o preço pela diferenciação. Numa Babel infernal ninguém se entende, ninguém se toca, só, o homem espera, só solidão, nada mais. A consciência da pequenez se deve ao desmoronamento de uma série de referências consoladoras, construídas de modo a justificar talvez algumas fraquezas. Pensando nisso e perseguido pela imagem da mulher que se agarra aos destroços e ainda espera (em que será que ela está pensando?), tenho uma intuição: o fim não nos foi colocado pelo simples fato de que ele ainda não se concretizou e, indo um pouco além, imagino que talvez a única forma do homem se completar é confrontar sua finitude e ver-se como algo ainda não acabado, algo que vem a ser. Nietzsche já colocara com muita propriedade que o que há de grandioso no homem é ele ser uma ponte e não um fim, é ele ser um passar e um sucumbir. A doença, a solidão o tédio e a morte não são de graça, significam a entrada numa outra condição. LIMITE talvez seja um dos prenúncios deste vir a ser. Sendo otimista...” Bernardo Dinis Lopes Ururahy (RJ, 20 anos)

 

“Lento, arrastado, maçante. Qual o problema se o filme é genial? Pois bem, LIMITE é genial. Múltiplas interpretações são possíveis dentro de cada cabeça. Isto é algo de grandioso no filme. Podemos escolher o modo de ver. LIMITE nos põe diante do infinito no que diz respeito a liberdade de compreensão.

Recheado de simbologias, ele trata de um assunto (que assunto?) difícil com extrema maleabilidade. O papel do homem nesse planeta que não conseguimos domar. Nossa prisão que se chama existência. De forma requintada e poética, LIMITE expõe de maneira angustiante o que realmente é angustiante, e de forma desesperadora o que é desesperador.

Nossa essência como personagem principal. Nossos medos e limitações no papel coadjuvante. Mário Peixoto escolheu os demônios humanos certos para contar essa ‘fábula’ do homem.

Então, LIMITE é lento e arrastado. Nossas vidas são como? Longe de serem limitantes na avaliação do filme, essas características estão presentes para nos incomodar. Não tendo outra opção diante do universo, senão nos arrastarmos sob os seus pés, LIMITE de Mário Peixoto nos cutuca da mesma maneira arrastada, e nos coloca frente a nossa condição de seres ínfimos. Impressionante!”  João Mors Cabral (RJ, 21 anos)

 

Mário Peixoto, em 1930.

 

ROBERTO MOURA é cineasta, pesquisador e professor de História do Cinema Brasileiro do Departamento de Cinema e Vídeo da Universidade Federal Fluminense.

 

 

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