DE VOLTA À ORGIA

Denilson Lopes

 
 
Cenas de Orgia, ou o Homem que Deu Cria (1970), de João Silvério Trevisan, e de Flaming Creatures (1963, de Jack Smith.
 
 

Depois de assistir a muitos filmes, antes de dormir, achei que sonhava. O que há depois de Flaming Creatures de Jack Smith e de Orgia ou o Homem que deu Cria de João Silvério Trevisan? O que fazer depois que tanto a caça pelos corpos no centro de Recife feita por Tulio Carella quanto a polka do cu no cabaré Chão de Estrelas em Tatuagem de Hilton Lacerda terem sido interrompidas pela ditadura militar e esta discretamente retirada da internet? Só restaria o desencanto de Saló de Pasolini, talvez entediado com os rapazes de subúrbio que Manuel Puig insistia em perseguir pelas ruas do Rio de Janeiro enquanto Néstor Perlongher lamentava a morte da bicha louca enquanto era enrabado por algum michê em São Paulo? Não podendo mais mudar o mundo, só restaria, quando muito, sair dos lugares com dignidade como a hostess do clube de sexo em Short Bus de John Cameron Mitchell, numa Nova Iorque crescentemente tomada pela sua higienização e transformação em playground seguro para o turismo internacional, como em tantas outras cidades, ao redor do mundo? Depois dos fracassos e utopias, narcisismos e melancolias, haveria espaço para algo mais? De algum lugar, no fundo dos tempos, ainda ecoa a voz de Tina Turner cantando “Let´s Stay together”, Sônia Braga dança ao som das Frenéticas em Dancing Days, novela novamente nas telas da TV Globo, e as coreografias de Lia Rodrigues, sem solos nem duos, ainda podem nos trazer o pertencimento na multidão, a orgia dos corpos, a festa das sensações. Oh, Jack Smith e Helio Oiticica, rogai por nós, agora e sempre. Rezei e continuei minha procura sem mais sono.

O que pode um afeto? É com esta questão que me lanço por imagens, textos, sem saber por onde prosseguir. O que é um afeto? Nada que eu possua. Tudo que ocorre que me atravessa, me constitui e destitui. As referências sobre o afeto são muitas. O caminho que deveria trilhar passam por Deleuze e Spinoza, mas também por tantos outros autores que colocaram as sensações como centrais para as imagens como José Gil, Steven Shaviro, Laura Marks, entre outros. Mas não são das referências teóricas que quero falar agora. Apenas imergir no mundo das sensações, me aventurar  nas possibilidades dos afetos como geradores de relações e encontros. Sempre paira a questão - o que nos une, o que nos faz partilhar -  que gerou tantas e estimulantes discussões sobre comunidades e multidões, que coloca desafios na reinvenção da  política e estética, como formas de partilha do sensível. Para além dos conceitos e dos singulares lugares que cada um desses termos gerou e tem gerado, prefiro talvez palavras mais modestas: relações e encontros. Encontros que mal sabemos nomear, se alegres ou tristes, alegres e tristes, encontros que configuram relações sem saber de seu futuro nem de seu passado, sem heranças claras e com ancestralidades a serem construídas. Relações que podem não se institucionalizar, se estabilizar mas que na sua fragilidade e precariedade possam se fazer distintas cada dia. É, sobretudo, nesse sentido que alguns filmes têm me interessado, não tanto como são feitos ou como são recebidos, não pelos seus processos de criação nem pelo seu público ou mercado, mas nessa modesta e inefável tarefa de inventar modos de vida, no ato de ver, no cotidiano que se configura sem grandes respostas, em algo mais do que mera repetição, inércia, submissão a ritos e ritmos esvaziados da sociabilidade, do trabalho. Não se trata tanto de avaliar, de dizer que um filme seja bom ou ruim, embora isto não seja desimportante, mas sobretudo de escolher com que e quem caminhar.

Pensei em Elena de Petra Costa  e Mauro em Caiena de Leonardo Mouramateus. Elena é uma estória de fantasmas. Fantasma é Elena, a irmã que morreu, mas também Petra, a irmã que sobrevive e vai para Nova Iorque no rastro de sua lembrança. Fantasmática é Nova Iorque feita de pessoas desconhecidas, estrangeiras, aparições fugazes onde Elena não se encontra e onde Petra corre o risco de se perder. Nova Iorque é Elena. Elena ( o filme) é uma estória de busca de memórias por parte de uma jovem mulher que se constrói e de uma diretora se faz artista à sombra da irmã que não conseguiu ser atriz, que escuta a mãe contar a estória do suicídio de Elena e se coloca na  mesma cama em que a filha mais velha se matou, na mesma posição em que a encontrou morta. Mãe e filha reencenam mesmo a perda de Elena não para apagá-la mas para redimensioná-la. Elena é uma estória delicada de amor entre duas irmãs, da mãe que quase se mata após ver a filha morrendo, uma estória de uma linhagem feminina que desconstrói o mito da Ofélia.  Não se trata de afirmar o clichê da mulher que se desespera pelo amor nem pela ausência do amor. Aqui não há Hamlet. Há muitas Ofélias, algumas possivelmente morreram, mas outras, muitas renascem a partir das águas escuras de melancolia. Nada aqui é solar. É  uma estória séria de atmosferas sutis, quase sem lágrimas (ao menos na tela) nem gritos. Não há ironia. Mesmo a alegria que surge não como redenção mas, como definia Nietzsche, por enfrentar a vida com toda sua dor.  Alegria discreta, sem sorriso final, sem exuberância. Há  morte e dificuldade de perder.  Mas há aposta na vida com todas suas precariedades.

Se Elena refaz o passado, através de uma linhagem feminina, ainda pouco explorada na cinematografia brasileira, esta busca se dá ainda dentro da casa e da família. Nesse sentido, o curta Mauro em Caiena vai mais longe.  Ao escrever uma carta ao tio que mora em Caiena, na Guiana Francesa, o diretor refaz os dilemas do presente entre ficar ou partir de Fortaleza, cidade onde mora num bairro de periferia, mas estabelece uma genealogia, a princípio, masculina e dentro da família, que remete ao tio  e ao primo mais novo. Genealogia que chamarei queer, estranha. Estranheza presente na partida do tio para Caiena, mas sobretudo na identificação do narrador com Godzilla e do primo com um cachorro. A abertura para cidade e para o mundo se dá pelo mundo da mídia e pela festa como formas de pertencimento.

Não quero discutir se esses filmes são importantes, representativos, mas eles me fizeram companhia enquanto os via, quando escrevia sobre eles. Escrevia para acompanhá-los e talvez, com a ilusão, de que talvez eu mesmo fosse uma companhia para estas imagens e talvez para as pessoas que compartilhassem este encontro. O que fica, sobretudo, é o que pode uma relação?

O que é uma relação? O que acontece depois do encontro? Pode uma vida ser feita só de encontros sem relações? A relação estaria no cotidiano e na regularidade, seja ela do viver junto no dia a dia ou em outras formas de ritos comuns, como encontros semanais? E a arte, se é um estado de encontro (Bourriaud), mais do que um encontro, ela é uma possibilidade, um convite que podemos aceitar ou recusar. Para além da estética relacional que privilegia obras processuais, intervenções e performances, em detrimento de objetos acabados, seria possível pensar um filme como criador de encontros e relações, não pelo que ele gera, na criação ou na sua recepção, numa sala, num cineclube, na internet, ao compartilhar opiniões sobre ele? Do que estaríamos falando? Se a obra cria sensações, ela poderia produzir encontros e relações singulares? Não estamos falando de qualquer obra de arte, mas aquelas que colocam no seu centro um desejo de comunidade, de coletividade, de pertencimento. Portanto, não é tanto que o/a realizador/a construa uma rede de diálogos em torno do filme, mas este se situe numa rede de afetos, sem ocupar um lugar central mas ainda sendo um lugar privilegiado, especialmente para os amantes das imagens, para aqueles que sem as imagens sua vida se tornaria mais pobre e solitária. O mundo da imagem, não como escape compensatório nem representação da realidade, mas como a possibilidade de outras sensações, afetos, mundos. Mas qualquer obra de arte teria esta potência a depender de quem a vê? Talvez sim, mas o desafio é como este vocabulário nos permitiria escolher um posição de fala como crítico que é também uma posição na vida.

Ao encontrar  estes filmes de realizadores, em grande parte, quinze, vintes anos mais jovens do que eu, fui seduzido, em parte pelos filmes, em parte pelos deslocamentos que estes filmes me produziram. Me aproximando dos cincoenta anos, os filmes me convidavam para um outro modo de vida que não fosse o do peso do trabalho, mas como não ser assim numa cidade de custos tão altos, como o Rio de Janeiro, em que mesmo tendo encontrado na universidade um nicho à margem, os colegas e amigos da mesma idade parecem ser tomados pelas demandas de sobrevivência ou pelas solicitações da família, de filhos e/ou pais? Numa antiga e rara crônica que Carlito Azevedo escreveu para p Jornal do Brasil, ele se perguntava, ou assim me lembro, onde se encontram os que não são mais jovens e ainda não são velhos, os que estão fora dos circuitos juvenis e da velhice? Me pergunto se haveria espaços para além da família em que um outro tempo, outro ritmo fosse reinventado,? Onde estão os espaços intergeracionais para além dos lugares institucionalizados da universidade? Pode a arte gerar isto? Aonde estão estes espaços, circuitos? O trabalho pode ser reinventado como espaço de encontro de afinidades e não só da sobrevivência e do cumprimento de demandas e tarefas? O fazer pode ser um espaço de encontro de afetos? Ainda ouço barulhos que parecem bombas ou fogos de artifícios (vindos, talvez, de favelas próximas de Copacabana). A noite passou. O dia amanheceu nublado. E eu aqui escrevo o que não sei, o que me mobiliza, sem saber a quem possa interessar.

Vidas feitas por perdas e encontros que não explicam nada. É a busca do encontro que fazem os personagens de “Praia do Futuro”  de Karim Aïnouz se moverem. O encontro é dos corpos mas também com os espaços. Entre Berlim e Fortaleza, atravessando mares, ruas e estradas, os personagens, por fim, continuam nas suas motos, sem nostalgia, sem grandes lamentos, até desaparecerem. Mas há certa alegria na condição estrangeira, como nos lembra Julia Kristeva em Estrangeiros a nós mesmos. Fiquei com receio de usar a palavra alegria... Seria apenas uma certa sensação de presença que no filme se dá  ao se deslocar, não num lugar fixo, mas num estar junto  A alegria, para Nietzsche lido por Clément Rosset, distinta da felicidade, não precisa ter razão, motivo. Alegria por estar onde se estar, por ter coragem de ser o que se é, por mesmo com temor continuar. Alegria em pertencer ao desaparecer, ao quebrar vínculos, sem garantia de nada, onde o futuro pode ser algo tão improvável como uma praia sem mar ou outra paisagem que nem podemos imaginar.  Talvez fantasmas, talvez heróis, sem estórias para contar apenas espaços a percorrer numa construção de outros afetos e famílias. Se em O Céu de Suely, Hermila partia só, deixando sua família de mulheres; Donato reinventa na deriva uma outra família de homens, com o irmão e o amante.  “Aos caminhos, eu entrego o nosso encontro” (Caio Fernando Abreu, Estranhos Estrangeiros).

Repito: O que pode um encontro? Marcelo Caetano disse em uma entrevista que o que interessa a ele é criar encontros. Mas o que é criar encontros não só para fazer ou ao ver filmes mas em um filme? Encontros que são no presente mas também com as memórias e desejos de outros tempos.

Em Bailão, Marcelo Caetano  talvez buscasse um outro através de  um registro quase etnográfico do centro de São Paulo, tendo como ponto de partida o lugar de encontro de homens mais velhos e as entrevistas de alguns deles. Mas as narrativas reúnem um passado de marginalidade e exclusão a uma velhice presente num ambiente de maior liberalidade. Os depoimentos parecem se encenar pela cidade, estendem seus laços e encontros por bares e cinemas, transpondo tempos.  Tudo enfim para acabar numa dança a dois e num espaço que é maior do que a solidão individual, maior do que os casais estáveis e institucionalizados. O urinol que encantou Duchamp e escandalizou o público expert quando foi primeiramente exposto tem bem outros sentidos para quem o banheiro é um lugar de encontros que só se poderiam se dar ali. Os banheiros, galerias, ruas e cinemas por onde perambulam os velhos senhores são saturados de lembranças. Encontros anônimos mas que refazem uma outra história, uma outra temporalidade como os mais recentes Tatuagem de Hilton Lacerda e São Paulo em Hi Fi de Lufe Steffen nos quais o individual e o coletivo se misturam. Se no filme de Lufe Steffen, há uma nostalgia de um mundo de festa, alegria, excentricidade e glamour, destruídos pela AIDS (como na imagem de Wilza Carla, ex-vedete e ex-atriz, descendo a rua Augusta montada num elefante até a porta de uma boate); o filme de Hilton Lacerda resgata ficcionalmente o grupo Vivencial Diversiones, primo menos conhecido do Dzi Croquetes e dos Cockettes de São Francisco, todos mais do que companhias de teatro traduzem a potência da arte como criadora de modos de vida, do sexo e dos afetos como formas de criação de comunidades para além dos limites da família e do trabalho. É algo distinto da presença da amizade que assombra um certo cinema brasileiro jovem  como uma forma de isolamento da cidade, do mundo, talvez autoproteção, presente em filmes tão distintos como Estrada para Ythaca do coletivo Alumbramento ao recente hit gay Hoje eu quero voltar sozinho de Daniel Ribeiro. Também não se insere no filão dos filmes on the road ou à deriva na cidade em que não se importa mais de onde se veio, apenas importa para onde se vai.   Em Tatuagem, há a procura talvez de um outro passado que gere talvez um outro futuro. Trata-se da quebra de uma crononormatividade (Freeman), de  uma forma de pertencimento no tempo, que nos fale de passados e ancestrais conquistados para talvez termos algum futuro...

Voltando ao trabalho de  Marcelo Caetano, ele é, especialmente, sensível a uma experiência homoafetiva compartilhada, não a estória romântica do encontro separado do espaço e da história. O encontro, para Marcelo, é sempre mais do que dois, sempre se estende por redes e laços. Mesmo quando quer falar sobre casamento, como no recente “Verona”,  a festa de celebração não é mostrada, o que interessa é o movimento sugerido pela volta de ex parceiro de trabalho, talvez ex amante.

Talvez possamos começar não a responder mas a desdobrar ainda mais, a compartilhar a questão após vermos juntos ou separados Na Sua Companhia.  No início, o filme parece um documentário, uma entrevista quase inquisitorial de um personagem de quem só vemos o corpo, não o rosto. Pulamos para outra cena depois dos letreiros, num filme todo feito de cortes, elipses e suspensões. Como se o filme fosse um pequeno fragmento de uma estória maior, de uma estória que se pretende lacunar, em que cada cena é um encontro e nada mais. Nos fundos de um bar comum, num lugar que parece uma mistura de banheiro e dark room, um encontro entre um jovem negro (Lukas Peralta Filho) e um homem branco de meia idade (Ronaldo Serruya).   Quando ouvimos o que parece ser uma batida policial, os dois se olham na luz da noite, após o sexo. Pouco sabemos, saberemos dos personagens a não ser o que um sabe do outro. Somos todos anônimos nesta noite. É por uma câmera que a relação entre os dois continua. Sem nomes, um é professor da rede municipal e o outro trabalha num restaurante. Pela câmera, sabemos que as primeiras imagens do filme foram feitas pelo professor. Pela câmera, o voyeurismo pouco a pouco se transforma em um jogo. Quando o rapaz inverte a posição e  filma o corpo do outro, dos pés à boca, é o desejo que aumenta e é construído. A palavra existe mas ela interessa se há o corpo. Não vemos o sexo. Apenas os corpos deitados na cama. Longe de pudor, talvez o que interesse é fugir da estetização do encontro entre desconhecidos. Não há espetáculo. Apenas dois homens numa cama e uma televisão. Novo corte. A cidade de São Paulo se abre para o caminho dos dois (amantes? Amigos? As palavras são pobres), para outros encontros quem sabe. Numa casa humilde, encontramos um grupo de homens, velhos e jovens, há uma mulher também. Depois saberemos de que se trata da família do jovem negro. Ele a chama assim: família. Família de amigos como Nan Goldin chamava as relações e não as representações que buscava em A Balada da Dependência Sexual. Ali, há uma encenação de um casamento, corpos dançam, se olham, se tocam ao som de Alcione. Há uma sensação de coletividade, de fluidez de desejo, de pertencimento. Por isso talvez a inveja que o professor diz sentir. Irrompe um homem magro de cabelos grisalhos e compridos dublando Maria Bethânia ao lado de um altar popular. Pelo corredor, ao fundo, o casal vem e compartilha a mesma cena. Não há fã nem divas. Somos todos fãs e divas naquela música. Novo corte. Na casa do professor, aparece uma promessa sem grandes expectativas. Um simples desejo que outro possa querer voltar é dito. Corte. A festa pode ter acabado mas não os desejos de encontro suscitados por ela.  Começo como comecei sem saber a que serviu este (nosso)  encontro a não ser talvez que ele seja motivo para um novo encontro.

Quando estava terminando este texto, fui, pela primeira vez, à turma OK, que acaba de ganhar um filme chamado O Clube feito por Allan Ribeiro, grupo que existe há  53 anos como uma “confraria gay” (termo que aparecem no site https://www.turmaok.com.br),  no centro do Rio de Janeiro. Antes do Somos, grupo pioneiro do movimento LGBT brasileiro, de Stonewall, da Revolução Sexual, da crise da AIDS, havia a turma OK e ela continou e continua a existir. Entrei pelo longo corredor, subi as escadas do velho casarão da atual sede (já foram várias), passei por fotos na parede até a modesta sala das performances. Um  amigo, Felipe Ribeiro, enquanto assistíamos me dizia: é nossa “Paris is Burning”. Há performances de diversas naturezas, ainda que haja um predomínio de drag performances,  há premiações, disputas, mas também, há  algo que vai além do palco e daquele momento. Talvez, no meu delírio, aquele passado, aquele espaço, aqueles corpos precisassem de um “Looking for Langston Hughes” em que Isaac Julien reinventa, recria o Renascimento do Harlem à sombra da experiência de homens gays negros que se encontravam em clubes... Há tantas imagens e estórias que vi ou que me disseram como senhores comemorando aniversários, comendo bolo na Cinelândia, domingo à tarde, quando ali ainda rondavam michês ou na época da ditadura que depois dos números serem apresentados os braços eram levantados mas sem aplaudir, sem fazer barulho para não chamar atenção dos vizinhos...Também é uma história que não acabou, como pude ver pela presença de dois jovens performers... De todo modo, o que fez esses homens se reunirem para fora de suas famílias e longe dos espaços de isolamento e anonimato? Há talvez uma história a ser contada e atualizada. Também quando me disseram que a boate La Cueva, em Copacabana, reanimada pelas recentes festas V de Viadão feitas por jovens insatisfeitos com os padrões das festas gays convencionais, já funcionava no início dos anos 60 como espaço de encontro homossexual me surpreendi. São estórias de continuidades, de heranças, talvez de possibilidades de outros futuros, de outras formas de estar juntos.

Pensei que ela tivesse acabado mas talvez a orgia, a festa esteja só começando. O grande escândalo, como cantava Angela Ro-Ro, é a solidão.

 

DENILSON LOPES é professor da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, pesquisador do CNPq e autor de No Coração do Mundo: Paisagens Transculturais (Rio de Janeiro, Rocco, 2012), A delicadeza: estética, experiência e paisagens (Brasília, EdUnB, 2007), O homem que amava rapazes e outros ensaios (Rio de Janeiro, Aeroplano, 2002) e Nós os mortos: melancolia e neo-barroco (Rio de Janeiro, 7Letras, 1999), organizador, ao lado de Andréa França, de Cinema, globalização e interculturalidade (Chapecó, Argos, 2010) e organizador de O cinema dos anos 90 (Chapecó, Argos, 2005).